Camila Achutti
O termo Pensamento Computacional ficou bastante relevante no Brasil, principalmente nos últimos anos, pois passou a integrar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC tem como principal objetivo “traçar percursos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes da educação básica, ou seja, ao longo da educação infantil, do ensino fundamental e ensino médio” segundo o nosso Ministério da Educação (MEC).
Na prática, isso quer dizer que a partir de 2020 toda escola vai ter que saber e aplicar o ensino de Pensamento Computacional para todos os seus alunos. Para entender o conceito, é preciso entender que a BNCC não apresenta especificamente como ele deve ser abordado. No entanto, esse documento atrela esse conhecimento a pensamento matemático, apenas. Ok, mas e agora? Por onde você começaria esse percurso? Procurando na internet?
Exato! Se olharmos no Google Acadêmico, uma plataforma de indexação do conhecimento científico e buscando pelo termo Computational Thinking, que é a tradução do termos Pensamento Computacional para o inglês, o resultado mais relevante é um artigo da revista de comunicações da ACM (Association for Computing Machinery) em Março de 2006, volume 49. Ele foi escrito pela Jeannette Marie Wing professora de ciência da computação que passou por duas das principais universidades do mundo e foi também vice-presidente corporativa da Microsoft Research, supervisionando seus principais laboratórios de pesquisa em todo o mundo e o Microsoft Research Connections. Esse artigo tem quase 6.000 citações, ou seja, ele virou referência para pelo menos essa quantidade de trabalhos. Número bastante expressivo para as produções acadêmicas.
No entanto, algumas coisas chamam atenção: esse texto não tem um tom acadêmico e sim editorial, ela não parece ter a intenção de criar um novo termo e sim criar uma versão mais acessível de descrever aquele conjunto de competências. Nada de errado com isso, porém não requer qualquer rigor de citação, o que não quer dizer que não existam referências para a sua escrita. Outro ponto é a data da publicação em 2006. Bastante recente. Em 2006, Seymont Papert já estava nessa área de educação com e sobre computadores há anos.
Ah! Sim! Papert é considerado o pai da Informática na Educação, já que seu trabalho começa ainda na década de 80. Computador nem era uma realidade na vida doméstica das famílias pelo mundo. Ou seja, já tinha quase 30 anos de conhecimento acumulado. Na tentativa de investigar de maneira menos superficial a possibilidade de termos um pai para o termo, olhar o primeiro livro desse primeiro pesquisador sobre educação com computadores parece uma condição para avançarmos. Esse livro foi escrito em 1980 pelo Papert e é intitulado: MINDSTORMS – Children, Computers, and Powerful Ideas (Tempestades de pensamento – crianças, computadores e ideias cheias de força, tradução livre). E para fins comparativos, ele já foi citado por mais de 14.500 publicações, já se mostrando suficientemente relevante no tema bastante expressivo para as produções acadêmicas.
Para avançar a partir daqui a estratégia pode ser a de revisão bibliográfica , que é bastante usada na academia para produção de conhecimento. Em linhas bastante gerais e de forma bem informal fazer isso com um livro seria procurar algo como procurar por todas as ocorrências de palavras que possam trazer insights. O que esse texto se propõe a responder é: podemos considerar Papert como o pai do termo Pensamento Computacional? A primeira busca seria pelo termo completo e suas variações: computational, think / thinking, computer(s), understanding, debug(ging), abstract. Para bibliografia em português a busca seria: pensamento computacional, pensar / pensamento, computador(es), entender / entendimento, depurar / depurando, abstrair. Essas palavras foram escolhidas visando encontrar indícios dos conceitos de pensamento computacional além de potenciais sinônimos do termo. Primeira informação que obtemos é o número de ocorrências:
O fato da pesquisa apresentar tantas ocorrências dos termos pesquisados revela que existe relevância no tema. O próximo passo seria ler os trechos em que essas palavras são citadas para validar ou não os excertos que sirvam de indícios para responder a nossa pergunta. Idealmente não podemos ser arbitrários e precisamos contar com mais de uma opinião para seleção desses trechos relevantes, porém para fins opinativos e de divulgação científica tomei a liberdade de selecionar alguns por conta própria do meu percurso de revisão bibliográfica solitário.
O primeiro ponto e mais relevante é: o termo pensamento computacional aparece uma vez no livro. No entanto, o trecho precisa ser analisado para avançarmos. Em português o trecho, em tradução livre seria: “Suas visões de como integrar o pensamento computacional na vida cotidiana não foram suficientemente desenvolvidas. Mas haverá mais tentativas e mais e mais. E, eventualmente, em algum momento, todas as peças se juntarão e acharemos algo”. Pelo texto ainda fica complicado entender o contexto e perceber se de fato é possível dar a essas duas palavras o entendimento de um conceito. O trecho, porém, aparece na página 182, no capitulo 8, chamado: Imagens de uma sociedade do aprendizado. Esse capítulo é, em resumo, uma elucubração de como será o futuro da escola e do aprendizado, onde um dos conceitos chaves é entender como vamos maximizar o entendimento por parte dos seres humanos sobre as máquinas, que é a essência do pensamento computacional.
Em outros trechos do livro, são encontradas mais referências que relacionam aprendizagem com pensamento digital e computacional. Traduzindo o trecho temos: “Mas o verdadeiro conhecimento em informática não é apenas saber como fazer uso de computadores e idéias computacionais. É saber quando é apropriado fazê-lo”. Nesse ponto, fica clara a relação do autor com a intenção da criação do termo para a BNCC. Papert é um dos primeiros educadores a diferenciar o uso das máquinas em sala de aula do entendimento.
Nesse trecho ele reafirma que o uso crítico é de fato conhecimento, saber executar tarefas mecânicas não significa conhecimento. Assim como Wing (a autora do texto de 2006, lembra?!), outra referência sobre o assunto, fala no seu texto, “pensar como um cientista da computação significa mais do quer ser capaz de programar.”
Não há dúvidas de que Papert foi o pioneiro no conceito embora não tenha se apropriado do termo de forma clara. Em outro trecho ele ainda menciona a relação da alta tecnologia com os processos de ensino modernos (em português) algo como:
“Descrevi-me como um utópico educacional – não porque projetei um futuro da educação em que as crianças sejam cercadas por alta tecnologia, mas porque acredito que certos usos de uma tecnologia computacional poderosa e de idéias computacionais podem fornecer às crianças novas possibilidades”
Pensamento Computacional é isso. Novas possibilidades. Repertório para abstração, resolução de problemas e entendimento da sociedade escalável e digital. Papert já sabia disso. Papert já tinha escrito sobre isso.
Páginas 10, 11, 12 e 13 Ebook YA Future
CEO e Fundadora da Mastertech, Presidente da SOMAS, professora no Insper, colunista da Época Negócios, Mestre em Ciência da Computação e doutoranda em Engenharia da Educação pela USP.
Camila já compôs a lista da Forbes under 30, e, além de compartilhar sua trajetória, trará ao palco uma luz sobre o Pensamento Computacional, que passa a ser exigido nas escolas, de acordo com a nova BNCC, no curso Your Access to the future: Pensamento Computacional, que você pode se inscrever clicando aqui.